Sabemos que os pés são responsáveis, conjuntamente com os membros inferiores, por nos mantermos em pé, em contato com o solo. Portanto, manter uma boa saúde dos pés é imprescindível para se obter uma boa postura. Inclusive, sabemos que muitas disfunções de coluna podem se iniciar pelos pés, quando não existe uma boa base de apoio. Uma dessas disfunções é o Neuroma de Morton.
Então, neste texto iremos abordar o Neuroma de Morton e como ele implica na Dor Neural.
Desalinhamentos posturais
Traumas, fatores genéticos, escolioses e calçados inadequados podem interferir na saúde dos pés, promovendo disfunções e causando patologias. Os calçados deveriam proteger e conferir segurança aos indivíduos, porém são confeccionados de forma escalonada, o que não permite medidas compatíveis com a necessidade individual de cada paciente.
Dessa maneira, esse simples detalhe, que com toda certeza não pode ser corrigido de forma industrial, pode trazer consequências nas estruturas ósseas, articulares, musculares, circulatórias e neurais. Assim, todas essas alterações interferem no equilíbrio, na marcha e de forma ascendente contribuindo para os desalinhamentos posturais.
A anatomia do pé
O nosso pé é formado por 26 ossos e dividido em três segmentos: retropé, mediopé e antepé. O retropé é formado pelo tálus e calcâneo, articulando- se com a tíbia e fíbula, ossos da perna, em suas extremidades inferiores. O mediopé é formado pelo navicular, escafóide e cuneiforme e o antepé pelos metatarsos e quatorze falanges. Além disso, os ossos do pé são mantidos unidos através dos ligamentos, formando as articulações. Ainda, a fíbula e a tíbia são importantes ossos das pernas que se articulam com os pés.
Portanto, tal conjunto de ossos formam os arcos longitudinais e os arcos transversais. Estes arcos são todos convexos, sendo de alturas maiores os que se posicionam de forma mais interna, onde cada arco corresponde a um metatarsiano.
O sistema circulatório
O sistema circulatório é composto de sangue e linfa. Além disso, os órgãos responsáveis pelo bombeamento de sangue, constituindo assim um sistema fechado de tubos que se distribuem por todo o corpo, associam-se à função do sistema imunológico, uma vez que o sistema linfático agrega esta função.
A artéria tibial anterior passa em frente ao tornozelo e termina no dorso do pé como artéria dorsal do pé ou pediosa. Dessa forma, neste trajeto tal artéria lança ramos (tarsal lateral e medial e artéria arqueada) que irrigam o dorso do pé e se anastomosam com o arco plantar, na planta do pé. Através do arco plantar há uma intercomunicação entre estas três artérias, formando as artérias metatársicas e, posteriormente, as digitais, que são responsáveis pela irrigação anterior do antepé. Já o arco plantar situa- se entre a terceira e quarta camadas dos músculos da planta
O retorno venoso é iniciado superficialmente quando as veias profundas surgem como veias digitais plantares nas faces plantares dos dedos. Assim, estas veias drenam proximamente e recebem veias de uma rede venosa plantar, da planta do pé, para formar quatro veias metatársicas plantares. Estas se comunicam com as veias do dorso do pé por intermédio de veias que sobem entre as cabeças dos metatársicos. Estas por sua vez, confluem formando a veia marginal lateral e medial e se unem formando o arco venoso dorsal do pé, que fica sobre os ossos metatársicos, situados na tela subcutânea.
Já na planta do pé, veias plantares laterais e mediais se dirigem posteriormente e se unem para formar, atrás do maléolo medial, as veias tibiais posteriores. No dorso do pé formam a veia safena magna e parva, e veias tibiais anteriores.
A ligação entre o sistema nervoso e os pés
O sistema nervoso é responsável pela transmissão de impulsos nervosos que comandam o corpo inteiro. Na região dos pés temos o nervo plantar medial que é o maior dos ramos terminais do nervo tibial. Além disso, o nervo plantar medial se origina sob a cobertura do retináculo flexor, profundamente ao abdutor do hálux, e vai até o abdutor do hálux e o flexor curto dos dedos, lateralmente à artéria plantar medial inervando a pele da planta do pé e alguns músculos localizados ao redor do hálux. Assim, seus ramos terminais são os quatro nervos digitais plantares, que inervam os músculos, a pele e as articulações adjacentes. Já os nervos digitais plantares se estendem sobre o dorso para inervar os leitos ungueais e as pontas dos dedos.
As articulações dos pés permitem grandes movimentos restritos a ele, assim como participa de forma ativa na função da marcha. Porém, essas articulações são estabilizadas por ligamentos curtos e fortes, preparados para resistir a forças elevadas e sobrecargas intensas advindas do caminhar. Os principais ligamentos são ligamentos calcâneo navicular, plantar e bifurcado, que atuam em conjunto com o tendão do tibial posterior.
O peso corporal distribuído pelos pés
Uma pessoa descalça recebe 43% do seu peso corporal em apoio bipodal, logo sofrendo uma carga de 43% . Entretanto, saiba que esta porcentagem de peso é intensamente modificada mediante o tipo de calçado, ou seja, além do tipo de pé que a pessoa possui, o calçado contribui de forma positiva ou negativa na distribuição do peso, afetando a postura estática ou dinâmica do paciente.
Porém, observe que com um salto de 6 cm de altura, 25% do peso corporal é direcionado sobre o calcâneo e 75% sobre a cabeça dos metatarsianos. Já nos calçados com salto de 10 cm de altura, praticamente 100% do peso concentra-se sobre os metatarsianos.
Deformidades nos pés
Uma das maiores causas de deformidades nos dedos é o uso incorreto dos calçados, principalmente os de bico apertado e salto alto, o que leva o paciente a ter ou dedos em garra, dedos em martelo ou dedos em malho. Além disso, fatores congênitos e alterações neuromusculares também podem ocasionar este tipo de patologia.
Tendinite do aquiles, bolhas, joanetes, calos, fascite plantar, esporão de calcâneo e neuroma de morton são algumas das deformidades que ocorrem nos pés.
O Neuroma de Morton são tumores presentes no nervo devido a impactação e pinçamento. Uma fibrose perineural se instala entre a cabeça dos metatarsianos, causando dor aguda e hipersensibilidade. Assim como outras deformidades, a maior causa do Neuroma de Morton é o uso de calçados apertados e com amortecimento insuficiente, desencadeando microtraumas de repetição nesta estrutura.
Saiba que devemos tratar nossos pés de forma conservadora, devolvendo sempre a motricidade da musculatura intrínseca dos pés e orientando de forma associada o uso de sapatos apropriados e palmilhas que adaptam o calçado à necessidade do paciente frente ao mecanismo de lesão.
Biomecânica neural e dor neural
Nem tudo que aprendemos nos livros se dá de forma tão perfeita na vida real. Portanto, é necessário desmistificar algumas ideias que criamos até mesmo ao observar as ilustrações dos livros. Por exemplo, saiba que os axônios não são retos, eles se apresentam em forma espiral; raízes nervosas não tem uma saída tão direta do canal vertebral, pois por vezes se angulam, tal como nos alerta Butler, 2003.
Então, sabemos que, a princípio, há um caminho do nervo isquiático sugerido pela literatura. Entretanto, em alguns pacientes pode acontecer deste trajeto ser levemente desviado e que se caracteriza de forma individual em cada paciente.
Além disso, algumas condições patológicas que produzem edema, compressão local e até mesmo o uso de gesso após uma fratura, também podem contribuir para o estreitamento da biomecânica neural, gerando o que denominamos de tensão neural adversa. Isso significa que estruturas extra neurais também interferem causando forças de tensão no sistema neural .
Segundo Butler (2003), para o nervo isquiático, o simples movimento de estar sentado e levantar-se ocasiona pressão sobre ele. A mesma interpretação clínica deve ser referida aos membros superiores, o nervo mediano é deslocado em torno de 2-3 cm em alguns movimentos dos braços, porém uma simples inclinação da cabeça de forma contralateral ao membro mobilizado, promove um aumento enorme da pressão sobre o nervo.
O Neuroma de Morton e o sistema nervoso
Levantamos aqui a ressalva de que o Neuroma de Morton, ocasionado pelo uso de sapatos inadequados e forças compressivas sobre os pés, pode também infringir o nervo isquiático, gerando as famosas dores neurais. Dessa forma, o grande conceito que precisamos agora introduzir na anamnese do paciente é o conhecimento sobre os pontos de tensão neural. Porém, a biomecânica neural é muito complexa, pois o movimento neural não necessariamente precisa acompanhar o movimento corporal.
Portanto, o fisioterapeuta precisa estar bem atento aos diagnósticos diferenciais durante a sua anamnese, além de pensar na possibilidade da presença de uma lesão neural. Durante a movimentação do corpo, temos regiões neurais que nem se movem e que apenas acompanham de forma mínima o movimento. Porém, algumas dessas regiões são consideradas pontos críticos no sistema nervoso, uma vez que são propícias a desencadear dores neurais.
Em virtude disto é que ressaltamos a importância clínica do fisioterapeuta em compreender a anatomia e a interligação destes pontos de tensão neural. Dessa maneira, entender os pontos de tensão neural é importante para dominar a biomecânica neural contínua corporal e toda relação sua relação entre SNC, SNP e SNA, além de, é claro, ter conhecimento prévio sobre os trajetos nervosos.
É necessário atentar às pequenas lesões neurais
Sempre que pensamos em lesões nervosas nos vem à mente lesões extensas. Porém, devemos começar a nos ater também as lesões menores deste sistema, a fim de tratá-las da melhor forma possível. Assim, para isso, devemos compreender como até mesmo as menores lesões podem trazer modificações no nosso corpo.
Bem como nos afirma Marcolino et. al. (2008), relembramos que o tecido neural tem dois caminhos: o mais grosseiro, bem conhecido, que diz respeito aos nervos e suas passagens por túneis e estruturas ósseas; e o intraneural que se trata dos mínimos movimentos realizados pelas fibras nervosas dentro do endoneuro, assim como dos fascículos dentro do tecido neural, a observação mais recentemente estudada.
Conclusão
Concluímos, assim, que não precisamos necessariamente ter um trauma sobre o sistema neural para termos uma lesão, esta é uma visão do passado. Atualmente, sabemos através da evolução da neurociência que estas lesões podem ser provocadas por uma má postura ou uma contração muscular que é realizada de forma repetitiva. Dessa maneira, deve-se entender que o mecanismo desta mínima lesão neural pode vir de interfaces próximas, até mesmo um edema pode gerar disfunções.
Além disso, pacientes que realizam movimentos repetitivos no qual observa-se que uma parte do corpo fica estática enquanto outras trabalham em excesso, tendem a desenvolver a dor neural. Então, você, fisioterapeuta, deve atentar-se a tratar de forma correta e cautelosa seus pacientes que apresentam dor neural devido a presença do Neuroma de Morton.
Referências Bibliográficas
Butler, D.S. Mobilização do sistema nervoso. São Paulo: Manole, 2003.
Junior, H.F.de O.; Teixeira, A.H. Mobilização do sistema nervoso – avaliação e tratamento. Fisioter. Mov. 2007; 20(3); 41-53.
Marcolino, A.M. et. al. Reabilitação Fisioterapêutica na lesão do plexo braquial: Relato de caso. Fisioter. Mov. 2008; 21(2); 53-60
SCHMIDT, M. R., Modelagem técnica de calçados. 3ª edição revisada e atualizada, Porto Alegre, SENAI, 2005.
SMITH, L. K.; WEISS E. L.; LEHMKUHL L. D. Cinesiologia Clínica de Brunnstrom. 5º ed; São Paulo: Manole, 1997
SOBOTTA, J., Atlas de Anatomia Humana. 21ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.