Imagine a seguinte situação: um jogador de basquete torce o tornozelo durante um treino, mas não quer parar de jogar. Então, ele faz algo simples e que praticamente todo atleta faz: imobiliza o tornozelo com um tensor e volta à prática. Algumas semanas depois, esse atleta te visita no seu espaço de trabalho com dor no joelho. Nesse caso, saiba que existe uma maneira de explicar esse caso hipotético usando a abordagem articulação por articulação.
Como já sabemos, o corpo deve ser considerado como algo global que realiza compensações para manter seu equilíbrio. Por isso, é importante entender como as articulações se relacionam entre si para formar essas compensações. Por isso, chegou a hora de aprender o que é a abordagem articulação por articulação e como isso influencia no seu tratamento. Vem comigo para aprender ainda mais!
Como surgiu a abordagem articulação por articulação
A abordagem articulação por articulação é um conceito desenvolvido por Gray Cook e Michael Boyle. Ela surgiu primeiramente como uma maneira de avaliar as dores do aluno no Functional Movement Screen (FMS), método usado por Cook para trabalhar com indivíduos fisicamente ativos.
O FMS é uma técnica usada por Cook para conseguir prever e tratar lesões de acordo com desequilíbrios nos padrões funcionais do movimento. Por acaso você já ouviu falar em padrões de movimento? Se não está lembrando, deixo aqui um artigo completo sobre Treinamento Funcional aqui para refrescar sua memória.
Aqui, encontramos a primeira semelhança entre a abordagem articulação por articulação e o Funcional. Ainda falando a respeito do FMS, ele trabalha principalmente com as funções do Core, quadril e ombro. Através de seus sete métodos de avaliação, a abordagem articulação por articulação permite identificar quando alguém fisicamente ativo está se expondo a riscos.
Em geral, Cook tenta utilizar a técnica para conseguir reconhecer o risco da prática da atividade física antes que a lesão aconteça. Assim, é possível criar um programa para normalizar os padrões de movimento e monitorar o progresso do aluno usando padrões funcionais.
Mas o que a abordagem joint by joint tem a ver com isso? Basicamente, ela serve para avaliar um indivíduo e encontrar riscos de lesões. Quando a pessoa já está com dor ou lesionada, ela serve para identificar a verdadeira causa.
O que é mobilidade e estabilidade?
A abordagem articulação por articulação trabalha com dois conceitos muito utilizados tanto no Treinamento Funcional quanto na reabilitação como um todo: mobilidade e estabilidade.
Sabemos que as articulações precisam de uma combinação delicada entre essas duas características. Afinal, são elas que garantem um movimento funcional sem compensações.
A mobilidade é basicamente a capacidade de se movimentar dentro dos limites fisiológicos de amplitude de movimento de uma articulação. Mesmo articulações com amplitude relativamente limitada – como a sacroilíaca – podem ter mobilidade.
Um exemplo bastante interessante de mobilidade é o quadril. Ele é uma articulação extremamente estável, o que o torna ideal para ser uma articulação móvel. Por isso, o quadril é capaz de se mover praticamente em todos os planos de movimento.
A estabilidade, por sua vez, é a habilidade que a articulação tem de se mover sem lesões, algo que muitas articulações no corpo precisam.
Mas como conseguimos aplicar esses conceitos à abordagem articulação por articulação? Basta pensar em qual é a necessidade primária de cada parte. Nessa abordagem, consideramos que cada articulação está mais preparada para uma certa função, seja ela a mobilidade ou a estabilidade.
As necessidades primárias podem ser conferidas na tabela abaixo:
ARTICULAÇÃO | NECESSIDADE PRIMÁRIA |
Arco Plantar | Estabilidade |
Tornozelo | Mobilidade |
Joelho | Estabilidade |
Quadril | Mobilidade |
Coluna lombar | Estabilidade |
Coluna torácica | Mobilidade |
Cintura escapular | Estabilidade |
Glenoumeral | Mobilidade |
Quando as necessidades primárias estão em desequilíbrio, a articulação terá problemas. Perceba que essas necessidades alternam entre mobilidade e estabilidade: essa informação será importante mais tarde.
Como avaliar um aluno usando a abordagem articulação por articulação?
Um dos principais usos da abordagem articulação por articulação se dá na avaliação e planejamento da reabilitação ou prevenção. Ao avaliarmos nosso aluno, devemos incluir testes específicos de mobilidade e estabilidade, especialmente para a região dolorida e a articulação diretamente acima e abaixo dela.
Nesse sentido, é importante que tenhamos uma visão global do corpo usando o conceito de cadeias musculares. Quando usamos a abordagem joint by joint, consideramos que o corpo é uma pilha de articulações interconectadas.
Assim, a disfunção que afeta uma delas também gera compensações na articulação diretamente acima e abaixo. Algo bastante interessante é que, em geral, a articulação realmente lesionada não apresenta dor.
Isso acontece porque o corpo realiza compensações em outras articulações exatamente para evitar a dor na lesão original. Quando a outra compensação também começa a trazer problemas, ela começa a apresentar dores que se originaram em outro lugar na cadeia.
Portanto, é preciso sempre avaliar cuidadosamente o local da dor, mas dar atenção também às articulações que estiverem acima e abaixo, já que uma delas deve ser a origem do problema.
Como exemplo, vamos analisar rapidamente a dor lombar. É muito comum encontrarmos alunos com dor lombar que, na verdade, têm problema de quadril. O quadril imóvel força mobilidade na lombar que não está preparada para isso e causa dor.
Por isso, muitas vezes, usar a abordagem articulação por articulação nos dá uma visão mais clara do paciente. Conseguimos entender melhor a origem das disfunções do que analisando somente os padrões de movimento.
Assim como o conceito de cadeias musculares, a ideia de padrões de movimento funcionais é complementada pela abordagem. Por isso, ela torna-se muito relevante para quem trabalha com métodos como Pilates e Funcional, por exemplo.
É possível ter uma articulação rígida e instável?
Sim! Ao invés de explicar na teoria, vamos a mais um exemplo prático envolvendo quadril. Essa articulação é muito estável em pessoas saudáveis. Seus ligamentos são potentes e ela possui grandes músculos que a estabilizam e realizam seus movimentos. Além disso, sua liberdade de movimentação é bastante ampla, acontecendo em diversos planos.
Por isso, com frequência encontramos indivíduos com fraqueza nas musculaturas do quadril. Se seus músculos extensores e flexores estiverem fracos, ele causa uma compensação na lombar. Além disso, a fraqueza nos abdutores causa estresse no joelho.
A flexão lombar serve para substituir a flexão do quadril. Portanto, vemos aí um caso de perda de mobilidade desta articulação. Caso os glúteos estejam pouco ativados, surge ainda uma extensão lombar que substitui a extensão do quadril.
Um quadril pouco móvel não faz o uso correto de suas musculaturas. Portanto, ele acaba perdendo também parte de suas estruturas estabilizadores. Em compensação, a lombar move-se cada vez mais para compensar a falta de força e mobilidade do quadril, que se torna cada vez mais rígido.
O resultado é uma articulação que precisa de fortalecimento e mobilidade, apesar de ter sua necessidade primária na mobilidade. Esse ciclo vicioso pode acontecer com diversas articulações e é mais simples de identificar através da abordagem articulação por articulação.
Conclusão
Lembra do atleta de basquete com dor no joelho, que comentamos no início deste artigo? Depois de entender melhor a abordagem articulação por articulação, já é possível entender o que estava acontecendo com ele.
O tornozelo é uma articulação com necessidade de mobilidade. Por isso, resolver sua instabilidade através de um tensor deixou-o rígido, forçando outra articulação a se mover: o joelho.
Infelizmente, o joelho tem necessidade primária de estabilidade e não está pronto para esse grau de estresse e movimento. Assim, eliminar a movimentação do tornozelo fez com que ele sofresse todo o impacto dos saltos e da corrida. Em pouco tempo o atleta acabou com dor.
Algumas vezes ficamos confusos com o funcionamento compensatório do corpo em lesões e patologias. Vemos articulações extremamente instáveis que não causam dor combinados com articulações rígidas dolorosas ou vice e versa. Apesar disso, qualquer complemento nas avaliações é o suficiente para nos ajudar a determinar um tratamento mais abrangente e eficiente.
Por isso, a abordagem articulação por articulação vem para te ajudar nas aulas e planejamentos. Mas, naturalmente, é importante saber integrá-la ao seu método de trabalho atual para que ela não cause ainda mais confusões.
Quem já me segue há algum tempo, sabe que sou um grande defensor de usar diversas técnicas na mesma aula. Gosto de aplicar desde terapia manual até Treinamento Funcional e Pilates em meus alunos. Então, não existe motivo para excluir a abordagem articulação por articulação, que pode se provar tão benéfica.
E então, o que achou do texto? Comente abaixo!
Excelente texto, principalmente para os fisioterapeutas, que durante a avaliação de um paciente, precisa observar toda a cadeia morfofuncional do indivíduo, e não “focar” apenas no local da dor.
Excelente para ampliar a percepção corporal e tudo faz total sentido. Reação em cadeia.