O ombro é uma articulação bastante complexa e a mais móvel de todo o corpo humano. Entretanto, é considerada pouco estável por sua anatomia articular, especialmente na articulação glenoumeral e sofre com diferentes lesões, entre elas a síndrome do impacto do ombro.
Esta grande mobilidade e menor instabilidade podem ser atribuídas à frouxidão capsular associada à forma arredondada e grande da cabeça umeral e rasa superfície da fossa glenóide. É necessária harmonia sincrônica e constante entre todas as estruturas estáticas e dinâmicas que mantêm sua biomecânica normal.
Por esse motivo, qualquer alteração que comprometa sua estrutura e função faz com que esse complexo articular seja alvo de inúmeras afecções. A síndrome do impacto (SI) é a mais comum em indivíduos adultos.
Esta patologia caracteriza-se por uma síndrome dolorosa do ombro, normalmente acompanhada por microtraumatismos e degeneração. Também acontece o déficit de força muscular e tendinite do manguito rotador.
Revisão anatômica
O ombro é formado por vários músculos com:
- 3 articulações verdadeiras;
- 2 articulações funcionais.
Essas estruturas fazem com que esta articulação apresenta maior mobilidade em relação a outras do corpo humano. O complexo articular do ombro possui 5 articulações:
- Escapulotorácica;
- Acromioclavicular;
- Esternoclavicular;
- Subdeltoidea;
- Escapuloumeral.
A última é a mais importante no ponto de vista biomecânico e também denominada glenoumeral.
Cada articulação tem sua amplitude e graus de movimento limitados pelas estruturas ósseas, ligamentares, tendinosas, capsulares ou musculares. Uma sincronia perfeita entre todo o complexo articular do ombro faz com que grandes movimentos com os membros superiores possam ser realizados.
Essa perfeita sincronia que ocorre entre o úmero e a escápula denomina-se ritmo escapulumeral. A junção escápula, clavícula e úmero é chamada de cintura escapular.
Várias são as estruturas anatômicas que compõem o complexo do ombro, entretanto, quando relacionadas à patologia em questão, algumas delas merecem destaque especial:
- Articulação acromioclavicular;
- Articulação escapuloumeral;
- Bursas subdeltoidea e subacromial;
- Arco acromioclavicular;
- Ligamentos coracoumeral e glenoumerais;
- Tendões dos músculos do manguito rotador e do bíceps braquial;
- Músculo deltóide.
Articulações do ombro e manguito rotador
A articulação acromioclavicular é do tipo sinovial plana. Ela está localizada na porção externa da clavícula, mais especificamente do processo acromial da escápula até a extremidade distal da clavícula.
Possui cápsula fibrosa periarticular, um disco intra-articular e os ligamentos acromioclaviculares e coracoclaviculares, que mantêm sua estabilidade.
Já a escapuloumeral é considerada verdadeiramente anatômica, do tipo sinovial, multiaxial e esferóide. Suas superfícies articulares são a cabeça do úmero, na cavidade glenóide da escápula e o lábio da glenóide.
Do ponto de vista biomecânico é a principal articulação do complexo articular do ombro. Na articulação glenoumeral, a relação entre a rasa, côncava e pequena cavidade glenóide e a grande e arredondada cabeça umeral faz com que haja pouca coaptação articular. Porém isso é eficazmente compensado pela presença de um lábio formado pela cápsula articular e o tendão da cabeça longa do músculo bíceps braquial.
Além disso, a posição anatômica dos ligamentos coracoumeral e glenoumeral superior, médio e inferior e a ação de tensão contrária dos tendões dos músculos do chamado manguito rotador do ombro, auxiliam na estabilização desta articulação.
O manguito rotador é composto pelos tendões dos músculos subescapular, supraespinhal, infraespinhal e redondo menor. A fusão destes desenha um capuz que cobre a cabeça do úmero superiormente.
O manguito rotador participa das seguintes ações:
- Rotação interna (subescapular);
- Abdução e rotação externa (supraespinhal);
- Abdução na horizontal e rotação externa (infraespinhal e redondo menor).
Ele também mantém o úmero centralizado na cavidade glenóide durante algum movimento de elevação anterior. Logo acima da articulação glenoumeral existem duas bolsas, localizadas de forma a evitar constantes atritos entre as partes ósseas e os tecidos moles adjacentes, denominadas subdeltoidea e subacromial.
Especificamente, essas bolsas localizam-se numa zona de deslizamento entre um espaço virtual formado pelo arco acromioclavicular que, por sua vez, é formado pela relação do osso acrômio com o processo coracóide da clavícula.
Essa relação se dá pelo ligamento coracoacromial de maneira que um teto protetor não permita impacto sobre as estruturas osteoligamentares. Outros músculos importantes na estabilização desta articulação são o bíceps braquial, na sua porção longa, e o deltóide.
Anteriormente ao manguito rotador, passa o tendão do bíceps braquial que transpõe a cabeça do úmero inserindo-se proximalmente no tubérculo supraglenoidal da escápula e distalmente na tuberosidade radial do osso rádio .tratamento fisioterapêutico
Apesar de não fazer parte do manguito rotador, a porção longa do bíceps desempenha ação parecida. Ele favorece uma depressão e compressão da cabeça do úmero contra a cavidade glenóide, durante a contração muscular, especialmente no movimento de rotação externa do ombro.
O deltóide origina-se no terço externo da clavícula, parte superior do acrômio e espinha da escápula e insere-se distalmente na tuberosidade deltóidea do úmero. Ele é essencial para os movimentos de flexão anterior e abdução do ombro. No entanto, uma ação de elevação da cabeça do úmero é realizada durante sua contração.
Fisiologia e Biomecânica
A articulação glenoumeral propicia a realização de vários movimentos que podem ser realizados isoladamente ou de forma combinada:
- Flexão e extensão;
- Adução e abdução;
- Adução e abdução na horizontal;
- Rotação interna e externa.
A flexo-extensão é realizada no plano sagital ao redor de um eixo frontal, sendo a flexão máxima de até 180º e a extensão o movimento inverso. A abdução ocorre no plano frontal ao redor de um eixo sagital com liberdade de até 180º. Nesse plano, adução é possível apenas com 30º a 45º de amplitude quando associada a uma extensão.
Outro movimento da glenoumeral é a rotação, podendo ser realizada em qualquer plano com seu grau de amplitude dependendo diretamente do grau de elevação do braço. A partir de 90º de uma abdução podem ser realizados os movimentos de adução e abdução na horizontal. Estes são realizados num plano horizontal ao redor de um eixo vertical.
A amplitude máxima de movimento na abdução do úmero depende da coordenação existente entre o úmero e a escápula, já apresentada como ritmo escapulumeral. Portanto, a partir da posição anatômica, o movimento de abdução completa se realiza com a participação conjunta da:
- Articulação glenoumeral;
- Articulação escapulotorácica;
- Tronco.
Durante a abdução de 180º existe uma relação de 2:1 do movimento do úmero em relação ao da escápula tanto em posição anatômica, rotação interna ou externa.
A flexão anterior do braço propicia um deslocamento do tendão do supraespinhal sob a borda do acrômio anteriormente ou ligamento coracoacromial. Desta forma, uma abdução ou flexão anterior do úmero ocasionará na projeção do supraespinhal, no nível de inserção, sob essas estruturas.
A elevação do úmero ocorre pela ação conjunta entre o músculo deltóide e manguito rotador, sendo o músculo deltóide (porção anterior) motor primário na flexão e os músculos deltóide (porção média) e supraespinhal motores primários na abdução.
Além disso, tanto o manguito rotador quanto o deltóide realizam importantes funções biomecânicas durante a elevação do braço. O movimento só é possível por causa das forças contrárias vetoriais exercidas por eles.
Durante a flexão ou abdução do braço, o deltóide realiza uma força no sentido superior que eleva a cabeça do úmero. Em contrapartida, os músculos do manguito rotador se contraem de forma a centralizar a cabeça umeral e desliza-la inferiormente, impossibilitando assim um atrito ou impacto da cabeça contra o arco coracoacromial ou sobre o próprio manguito.
Desta forma, qualquer alteração anátomo-patológica que interfira nesse mecanismo de sinergia muscular ou que comprometa a biomecânica normal do ombro, de forma que o músculo deltóide prevaleça sobre o manguito rotador, poderá ocasionar microlesões traumáticas de origem inflamatória.
Epidemiologia
A Síndrome do Impacto do ombro é a afecção mais comum na cintura escapular, podendo acometer ambos os lados com prevalência superior em indivíduos com idade entre 40 a 50 anos.
Conforme já mencionado, o uso excessivo do membro em flexão anterior ou abdução predispõe o impacto. Então fica evidente a possibilidade de acometimento de indivíduos jovens, mesmo com idade inferior a 20 anos.
Outro aspecto relevante para a incidência da patologia é sua relação com algumas atividades de trabalho. A patologia é comum em trabalhadores que exercem funções com o membro superior em elevação por longos períodos.
Mendonça Jr. e Assunção demonstraram que alguns distúrbios do ombro são influenciados por fatores biomecânicos de acordo com o trabalho realizado. Exemplos são os casos de carga excessiva nos membros superiores, vibrações e flexão com abdução dos braços por tempo prolongado.
O tipo de atividade esportiva também deve ser considerado, sendo comuns sintomas aparecerem em atletas que praticam voleibol, natação, peteca, arremessos de peso e dardos, tênis, dentre outros.
Quadro clínico
O quadro clínico é variável, dependendo da fase de evolução da patologia. Entretanto, a dor e consequente limitação funcional são evidentes. A dor e função física em trabalhadores com síndrome do impacto do ombro, concluíram que esses sintomas estão presentes no grupo estudado.
As mulheres mais propensas estão mais propensas a relatarem incapacidade física e dor quando comparadas aos homens. Vale ressaltar que a dor pode ser espontânea e agravar após os esforços físicos, sendo proporcional ao grau de inflamação dos tecidos periarticulares.
Contudo, durante a noite, a manifestação dolorosa geralmente aumenta e isso se deve ao estiramento das partes moles. De forma a favorecer a identificação evolutiva da patologia foi descrita a fase clínica em três:
- A fase I é caracterizada por dor aguda, hemorragia e edema, causados pelo uso exagerado do membro superior no trabalho ou esporte. Tipicamente, ocorre em indivíduos jovens até 25 anos. A dor cessa com o repouso;
- Na fase II fica evidenciado um processo inflamatório acarretando fibrose com espessamento da bursa subacromial e tendinite do manguito rotador. É comum em pacientes entre 25 e 40 anos;
- Na fase III ocorrem lacerações parciais ou totais do manguito rotador ou bíceps braquial associado a alterações ósseas. É prevalente em pacientes a partir da 4ª década de vida.
Tratamento Fisioterapêutico
Um programa específico e individual deve ser elaborado conforme a condição clínica patológica. A escolha dos sendo a escolha dos recursos terapêuticos baseada na causa da disfunção e possíveis alterações fisiológicas.
Dentre as modalidades de tratamento da síndrome do impacto, o fisioterapêutico é o mais recomendado, especialmente na SI subacromial. Mesmo nos casos em que se evidenciam alterações anatômicas como esporão subacromial, esse tratamento é eficiente.
A reabilitação deve ser realizada com duração mínima de três a seis meses. O tratamento cirúrgico deve ser escolhido somente nos casos em que o paciente não apresente melhora do quadro.
Alguns fatores podem interferir no tempo ou resultados do tratamento, como:
- Idade;
- Protocolo utilizado;
- Tipo de atividades realizadas no trabalho e esporte;
- Variações anatômicas do acrômio.
Contudo, uma intervenção fisioterapêutica adequada e precoce é imprescindível para sucesso nos resultados. Também devemos associar o tratamento a um programa de reeducação e orientação do paciente, que enfatize mudanças de hábitos esportivos ou readaptações profissionais.
De acordo com Moreira e Carvalho, o reabilitador tem papel educativo de extrema importância. Isso acontece porque ele é baseado na restrição de movimentos que exijam elevação do membro afetado acima do nível dos ombros.
Os objetivos gerais no tratamento fisioterapêutico são:
- Alívio do quadro álgico;
- Ganho de amplitude de movimento (ADM);
- Melhora da força muscular (FM).
Dessa maneira o membro acometido consegue ganhar maior funcionalidade. Consequentemente, a elaboração de um protocolo de tratamento adequado depende da evolução clínica da patologia.
O tratamento fisioterapêutico na fase inicial da Síndrome do Impacto do ombro tem como objetivo a redução ou abolição da dor e diminuição do processo inflamatório instalado. É importante evitar exercícios exagerados que possam agravar ainda mais o quadro agudo.
O uso da TENS (estimulação nervosa elétrica transcutânea) é indicada no controle e modulação da dor. A crioterapia também é eficiente por causa do efeito de resfriamento, podendo favorecer a redução da inflamação.
Do mesmo modo, a tração do ombro com pequenos graus de abdução pode ser indicada como mecanismo de descompressão articular e alívio do quadro álgico, além dos exercícios pendulares.
Após alívio da dor e redução do processo inflamatório agudo, os exercícios para ganho de ADM e melhora da flexibilidade dos músculos rotadores laterais e mediais do ombro e romboides devem ser inseridos no programa de reabilitação.
O tratamento isolado da fonte da dor proporciona apenas alívio temporário. Logo, a cinesioterapia ou exercícios terapêuticos devem fazer parte do plano de tratamento fisioterapêutico.
Os exercícios pendulares devem permanecer com o objetivo de alongamento da cápsula articular e tração na articulação glenoumeral.
A evolução do tratamento fisioterapêutico deve enfatizar atividades de reforço muscular dos estabilizadores da escápula. A fraqueza persistente desse grupo muscular manterá alterado o ritmo escapulumeral, favorecendo assim a impactação subacromial contínua.
Outro fator preponderante no reequilíbrio muscular é o trabalho de força dos músculos rotadores do ombro que, de acordo com Morelli e Vulcano, desempenham papel fundamental na estabilidade e depressão da cabeça umeral.
Além disso, os exercícios proprioceptivos devem ser implementados para o restabelecimento de uma aferência apropriada, determinando o equilíbrio das forças agonista e antagonista durante a função do ombro.
Conclusão
A Síndrome do Impacto do ombro é comumente localizada na cintura escapular e acomete, na maioria das vezes, adultos, especialmente aqueles que exercem atividades com os membros superiores elevados durante muito tempo.
Para tratar, é necessário que o profissional identifique corretamente a patologia, respeitando o tempo necessário e também características específicas do paciente.
Além disso, é importante que o tratamento da síndrome do impacto não fique só na clínica, mas reflita também nos hábitos do dia a dia.
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