*Este conteúdo é científico e pode ser utilizado para pesquisas*
Você sabe o que é a Teoria do Envelope de Função? E como ela é importante para o fisioterapeuta?
Vamos conversar sobre isso? Continue lendo esta matéria e confira tudo o que você precisa saber!
Um breve histórico da Teoria do Envelope de Função
Essa teoria foi desenvolvida pelo pesquisador Scott Dye, em 1996.
Segundo essa teoria, a gênese da maioria das lesões ortopédicas está relacionada à sobrecarga, seja essa sobrecarga de menor intensidade, porém repetitiva (“overuse”), seja essa sobrecarga de grande intensidade e gerada de uma única vez.
O “envelope de função” é considerado pelo pesquisador como uma faixa hipotética que representa a quantidade de carga individual para qual o corpo estaria preparado a receber, sem que fosse gerado qualquer dano à estrutura, ou seja, sem que seja gerada nenhuma lesão.
De uma forma geral, cada um de nós tem um “envelope de função” que é individual e baseado nas nossas características fisiológicas e de treinamento. Dessa forma, cada um de nós consegue suportar uma carga imposta ao corpo durante todos os dias, dentro de um período de tempo, de forma segura, sem gerar sobrecarga supra fisiológica ou falha estrutural (dentro do “envelope de função”), o que não nos causa dano nenhum.
Mas e quando nos é imposta uma carga que ultrapassa esse nosso “envelope de função”? O que acontece se a carga estiver fora dessa zona do “envelope de função” em qualquer aspecto, tanto na frequência como na intensidade em que é gerada? E se atingirmos a zona de sobrecarga supra fisiológica por muito tempo? E quando nos é imposta uma carga cujo nosso corpo não está preparado para suportar? Segundo a teoria de Scott Dye, surgirá, a partir daí, uma lesão.
Abaixo vamos discutir alguns pontos importantes dessa teoria e como ela é importante para a fisioterapia.
Representação da Teoria
O “envelope de função” pode ser representado graficamente, para melhor entendimento didático.
O eixo das abscissas (X) representaria a frequência com que as cargas são impostas, enquanto o eixo das ordenadas (Y) representaria a intensidade das cargas aplicadas. A área hipotética, representada por esse gráfico, englobaria atividades que poderiam ser executadas em um determinado período de tempo, sem que ocorra lesão por excesso de frequência realizada (repetição) ou por excesso de intensidade de carga. Essa área seria denominada de área do “envelope de função”, onde a estrutura do corpo funcionaria de uma forma segura e eficaz (Figura 1).
Observação importante: essas atividades englobadas pelo “envelope de função”, relacionam-se a todas as atividades feitas pelo indivíduo dentro de um período de tempo. Exemplos: trabalhar, ir ao supermercado, treinar na academia, correr, caminhar com o cachorro, dirigir, ver televisão, etc.
Figura 1: Representação esquemática do “Envelope de Função”.
Caso ocorra estímulo de carga que atinja a área fora do envelope (seja em relação à intensidade de carga ou a frequência de carga) poderá ocorrer um aumento do risco de desenvolvimento de lesão. Essa área é conhecida como zona de sobrecarga suprafisiológica. Nessa área podem ser geradas lesões oriundas de cargas com intensidade alta e frequência baixa como através de cargas baixas com freqüências altas.
Caso haja manutenção da aplicação de cargas na zona de sobrecarga suprafisiológica, a lesão macroestrutural real poderá ocorrer (que seria a ocorrência de uma fratura do platô tibial ou uma ruptura do ligamento cruzado anterior por exemplo). Essa zona pode ser chamada de zona de falha estrutural.
Muitas vezes essas lesões são silenciosas, ou seja, são indetectáveis no momento em que ocorrem. Um exemplo disso seria a fase inicial de uma fratura por estresse em um corredor de longa distância, que é detectável inicialmente apenas por cintilografia óssea antes da detecção das alterações radiográficas (falha macroestrutural), quando já atingiu a zona de falha estrutural.
O que essa questão nos mostra é que às vezes o paciente está invadindo a sua zona de sobrecarga supra fisiológica e não percebe. Só vai saber quando a lesão atingir a característica macroestrutural.
A área do “envelope de função” é individual (lembrem-se sempre disso!!!!), ou seja, respeita a individualidade biológica de cada um, assim como é altamente influenciada por certas variáveis como: peso corporal, centro de gravidade dinâmico, angulação de movimento, qualidade de contração das unidades motoras, integridade biomecânica, entre outros.
Observação importante: lembrem-se da característica multifatorial da lesão! A lesão geralmente não é gerada por apenas um único fator, mas pela interseção de diversos fatores (o que poderia levar a pessoa a ultrapassar o seu “envelope de função”)!
Por que entender a Teoria do Envelope de Função é importante para o fisioterapeuta?
Entender isso é de extrema importância para o fisioterapeuta. Realizar uma anamnese completa, um exame físico de boa qualidade, faz com que o profissional tenha uma ideia de como aquele corpo está preparado para receber a sobrecarga que está sendo imposta a ele naquele momento.
Quer um exemplo? Pensa em um paciente no seu consultório com Síndrome do Tibial Medial. Ao realizar a anamnese você percebe que esse paciente corre longas distâncias, mas o treino de corrida não é frequente, ele corre 10 km por dia, todos os dias, na esteira da casa dele; trabalha em pé com calçado pouco confortável; quando sai do trabalho sobe quatro lances de escada carregando compras de supermercado; chega em casa e vai caminhar de chinelo com o cachorro por 30 minutos; tem 45 anos; sobrepeso e não faz treinamento de força.
No exame físico, percebe-se que há déficit de massa muscular, principalmente em membros inferiores, aumento da circunferência abdominal; histórico de lesão em tornozelo há dois anos.
Ao final, o profissional se pergunta: será que o corpo dessa pessoa está preparado para suportar toda essa carga imposta diariamente? Será que esse paciente está ultrapassando a zona do “envelope de função”? E, a partir daí, o fisioterapeuta consegue ajustar alguns itens para tentar minimizar a sobrecarga imposta na perna desse corredor e traçar um planejamento para tratar o quadro já instalado, trabalhando, acima de tudo, a educação do indivíduo no que diz respeito ao conhecimento das suas limitações.
Consideração importante: na Teoria do Envelope de Função existe um limite inferior de carga que, se persistente, poderia resultar em perda da homeostase articular, atrofia por desuso dos tecidos moles e osteopenia, o que levaria também a ocorrência de lesão. Essa área é chamada de zona de carga sub fisiológica.
Fatores que determinam o “envelope de função”
Lembram que o “envelope de função” é individual? Além de fatores gerais como idade e nutrição, existem pelo menos 4 (quatro) categorias específicas que, em conjunto, determinam o “envelope de função” de cada pessoa. Essas categorias incluem:
- Fatores anatômicos: que abrangem características como a morfologia, integridade estrutural e características biomecânicas dos componentes anatômicos;
- Fatores cinemáticos: que determinam o movimento derivado dos componentes anatômicos relacionados à carga. Incluem, por exemplo, o padrão de recrutamento de fibras sistema neuromuscular, além do sistema proprioceptivo;
- Fatores fisiológicos: que existem variações fenotípicas relacionadas à cicatrização do tecido entre indivíduos; um exemplo disso seria o fato de alterações degenerativas precoces, após reconstrução do ligamento cruzado anterior, poderem se desenvolver em alguns pacientes com histórico familiar de doença articular degenerativa, enquanto que outros pacientes apresentam melhores condições cicatriciais e de resistência tecidual, fazendo com que suas estruturas suportem cargas ainda mais altas e, ainda assim, não sofram lesões;
- Fatores de tratamento: os tratamentos empregados previamente e a forma com que as estruturas respondem são fatores que determinam o “envelope de função”.
Conclusão
É muito importante que o profissional de Fisioterapia entenda o que é a Teoria do Envelope de Função e realize uma avaliação individual completa, considerando todas as atividades de vida diárias do paciente, para que o tratamento seja ainda mais assertivo e efetivo.
Referências bibliográficas
Dye, Scott F. 1996. “The Knee as a Biologic Transmission With an Envelope of Function: A Theory”. Clinical Orthopaedics and Related Research® 325 (abril): 10–18.