A apraxia da marcha é um distúrbio de execução deliberada de movimentos intencionais, que não pode ser atribuído a um déficit motor ou sensitivo. Na apraxia o indivíduo não é capaz de fazer um determinado movimento de forma adequada sob um comando verbal.
Um indivíduo com apraxia tem dificuldades para realizar movimentos sob comando verbal ou até por imitação, apesar de ter a vontade e a habilidade física para executá-los, mas em alguns casos a execução de movimentos pode ser automática.
Na maioria das vezes, apresenta dificuldades da utilização e no manuseio de utensílios e de ferramentas, realizando erros como hesitações, demora, falta de ordem, perseverança ou movimentos de atalho. Continue lendo para entender!
O que é Apraxia da Marcha
A apraxia da marcha apresenta uma longa história, já que os estudos sobre a doença se iniciaram entre o fim do século XIX e início do século XX, porém a literatura ainda se apresenta muito controversa no que se refere à classificação desse quadro, seus substratos neuroanatômicos e funcionais, assim como as formas de avaliação e tratamento.
A apraxia da marcha é fácil de se demonstrar, mas difícil de se entender, é o que concordam a maioria dos autores. As pesquisas apresentam uma terminologia confusa, resultados contraditórios e dúvidas que ainda precisam ser resolvidas.
Recentemente um levantamento na literatura foi realizado e constatou-se uma falta de estudos brasileiros relacionados à investigação da validade diagnóstica de procedimentos que examinam a apraxia da marcha.
Um dos primeiros estudiosos a descrever a apraxia na forma que é reconhecida atualmente foi Liepmann, em 1905, onde a definiu como um fenômeno unitário que é caracterizado por uma série de manifestações clínicas decorrentes de diferentes níveis de disfunções.
Foi ele que utilizou pela primeira vez o termo apraxia ideomotora para descrever a incapacidade de transformar corretamente o desejo do movimento pretendido em ação motora apropriada, associado então apraxia a uma desordem na execução de movimentos, e não uma falha no gesto.
Estudos sobre apraxia da marcha
Liepmann observou que 20 dos 41 casos de paralisia direita (com danos no hemisfério esquerdo) apresentaram distúrbios de apraxia, enquanto que o grupo de 42 casos de paralisia à esquerda não apresentaram as mesmas dificuldades. Em 1965, Geschwind também atribuiu o controle de ações motoras para o hemisfério esquerdo.
A apraxia da marcha também é conhecida como distúrbio da marcha frontal, é bem comum em idosos e possui diversas causas. Essa designação é utilizada para descrever um tipo de marcha arrastada, congelada, com desequilíbrio e outros sinais de disfunção cerebral alta.
A marcha típica consiste em uma ampla base de sustentação, passos curtos, pés que arrastam no chão e dificuldade com partidas e voltas. Muitos indivíduos apresentam dificuldade para iniciar a marcha. Essa dificuldade é caracterizada de forma descritiva como síndrome da embreagem deslizante.
Essa alteração é definida como a perda da capacidade de usar adequadamente os membros inferiores no ato de caminhar, sendo uma síndrome composta por uma mistura de sinais como desequilíbrio, alterações motoras, respostas posturais inadequadas e a perda de ignição da marcha.
Esses pacientes são capazes de cruzar as pernas quando estão sentados, de bater os pés no chão alternadamente, fazer movimentos de bicicleta quando estão deitados e etc., mas não conseguem realizar os movimentos necessários para executar a marcha, apresentando dificuldades específicas ao iniciar a marcha e para girar sobre o próprio eixo.
Características da Apraxia da Marcha
A apraxia da marcha se caracteriza por:
- Reações de endireitamento e reações de suporte inapropriado nas transferências de posturas de decúbitos/sentado para postura ortostática;
- Desequilíbrio enquanto andam;
- Movimentos cinéticos desnecessários;
- Desordens motoras, incluindo dificuldade de iniciar a marcha, ritmos irregulares (velocidade, tamanho e duração dos passos), movimentos incoordenados do tronco, MMII e balanço dos braços e dificuldade para realizar a mudança de direção. A mudança de direção geralmente é acompanhada de múltiplos pequenos passos, podendo ocorrer interrupção súbita da marcha, principalmente quando se há obstáculos.
O circuito cortical-tálamo-gânglios da base-cortical tem um papel considerado fundamental na seleção de movimentos e sinergias posturais. Alterações nessa estrutura levam a apraxia. As áreas críticas da demência incluem o córtex cerebral, gânglios da base e substância branca subcortical, assim a maioria dos pacientes que tem apraxia da marcha apresentam algum grau de déficit cognitivo.
A apraxia da marcha é uma forma reconhecível e independente das outras formas de apraxia. Ela é considerada um sintoma relevante para a reabilitação dos pacientes neurológicos e é uma disfunção de difícil diagnóstico, pois além de alguns pacientes apresentarem mais de um tipo de apraxia, não há uma padronização de avaliação.
A avaliação observacional da marcha é muito utilizada por fisioterapeutas para avaliar a marcha do paciente e constitui um aspecto muito importante na prática da fisioterapia. Porém essa avaliação é extremamente subjetiva e pode sugerir pouca validade, confiabilidade, sensibilidade e especificidade se comparado a um instrumento mais objetivo de análise de marcha.
É importante diferenciar os distúrbios da marcha com e sem comprometimento cognitivo, pois essa diferenciação pode auxiliar a encontrar um tratamento mais adequado.
Tipos de apraxia da marcha
A apraxia é o resultado de disfunções nos hemisférios cerebrais, principalmente do lobo fronto-parietal e os déficits podem ser observados tanto no processo de iniciativa, planejamento e/ou execução do ato motor, o que torna o indivíduo limitado e dependente em suas funções.
O exame para detectar a presença das apraxias e essencialmente clínico e ainda não há um consenso sobre quais os melhores procedimentos para conseguir diagnosticar e/ou caracterizar a disfunção. As formas mais comuns de apraxia são:
Apraxia ideomotora
Nesse tipo de apraxia o indivíduo apresenta prejuízos na realização de gestos simples e simbólicos, como dar tchau, acenar, mandar beijo, etc.
Se caracteriza por erros no tempo, sequenciação espacial do gestual e movimentos. Aqui o paciente sabe o que fazer, mas se mostra incapaz de fazê-lo de forma intencional, porém consegue realizar esses mesmos movimentos de forma automatizada;
Apraxia ideatória
É uma perturbação na organização conceitual de ação no plano geral do ato motor. Nesse tipo de apraxia os pacientes apresentam falhas no uso sequencial de objetos cotidianos, como comer com a escova de dentes ou escovar os dentes com uma colher. O paciente também apresenta dificuldades em utilizar objetos em que se utiliza uma sequência específica, como acender um fósforo ou colocar uma carta em um envelope.
Apraxia mielocinética
Aqui o paciente tem dificuldades de realizar movimentos finos e pode ser identificado na mímica. Independente de quão complexo seja o gesto realizado, a velocidade e a precisão do movimento encontram-se prejudicados;
Apraxia perna
Dificuldade em realizar movimentos intencionais com os membros inferiores;
Apraxia do vestir
O paciente apresenta incapacidade de orientar peças de vestuário em relação ao corpo. Em formas mais graves o paciente não consegue nem colocar a própria camisa.
Apraxia visuomotora
Se caracteriza por uma incapacidade de fazer uso de informação visual ao realizar um movimento de alvo-dirigida;
Apraxia bucofacial
Nessa apraxia o paciente apresenta prejuízo na realização de movimentos voluntários que envolvam a região da face, língua, mandíbula e faringe. Porém sem ocorrer alteração do tônus, dificuldade de compreensão, falta de atenção ou acinesia. Alguns movimentos como deglutição e gestos faciais, como lamber os lábios, estão ausentes ou comprometidos;
Apraxia dinâmica
O paciente apresenta incapacidade de manter um planejamento motor, evidenciado pela impossibilidade de realizar três gestos em uma mesma ordem ou de realizar ações contrárias. Como exemplo, o indivíduo não consegue manter uma mão com punho cerrado e outra mão com palma para cima;
Apraxia construtiva
Nesse tipo de apraxia o paciente possui dificuldade ou incapacidade de reproduzir ou desenhar um objeto espontaneamente, que faria normalmente anterior à lesão neurológica sem dificuldade alguma.
Apraxia agnóstica
É a forma comum que alguns autores associam as apraxias com as agnosias, sendo por definição:
- Apraxia: alteração das funções gestuais
- Agnosias: alterações das funções cognitivas
Ou seja, o paciente não realiza os gestos por não reconhecer o objeto e qual a sua utilização.
Apraxia diagonística
É um tipo de apraxia em que há uma má cooperação entre as mãos na execução de tarefas bimanuais. Em atividades espontâneas, às vezes, pode estar evidente, como por exemplo: uma pessoa deposita sobre o balcão de uma loja o dinheiro que deve após uma compra.
A mão direita pega normalmente o objeto que foi comprando enquanto a mão esquerda se apodera do dinheiro antes que seja registrado no caixa, como se já se tratasse do troco. Esse tipo de dificuldade que o paciente encontra na execução dessas tarefas bimanuais devem-se ao fato de que os hemisférios cerebrais separados não podem coordenar sua respectiva atividade, se atrapalhando mutualmente.
Apraxia da marcha
É um déficit de marcha que o paciente apresenta e não pode ser explicado por fraqueza, perda sensorial ou falta de coordenação motora. A marcha é lenta, com passos pequenos, arrastados e hesitantes. O início da marcha é difícil e o paciente vai piorando progressivamente.
Algumas vezes ocorre pausa na marcha e em casos mais graves os pacientes são incapazes de dar um passo, como se os seus pés estivessem colados ao chão.
Causas da Apraxia da Marcha
A causa mais comum da apraxia da marcha é a doença vascular, em particular dos pequenos vasos subccorticais. As lesões costumam ser encontradas na substância branca frontal profunda e no centro oval. O distúrbio da marcha pode ser o sinal mais notável em pacientes hipertensos com lesões isquêmicas da substância branca profunda de um hemisfério (doença de Binswanger). A síndrome clínica consiste em alteração mental de grau variável, disartria, afeto pseudobulbar (desibinição emocional), hipertonia e hiper-reflexia de membros inferiores.
A hidrocefalia comunicante em adultos também se apresenta com distúrbio da marcha desse tipo. Outras manifestações da tríade diagnóstica (alteração mental, incontinência) podem estar ausentes em estágios iniciais.
A ressonância magnética mostra um aumento ventricular, maior fluxo sobre o aqueduto e grau variável de alteração da substância branca periventricular. É necessária uma punção lombar ou testes dinâmicos para confirmar a presença de hidrocefalia. A demência vascular e a demência frontotemporal também podem causar apraxia da marcha.
Alguns autores atribuem a marcha apráxica a lesões envolvendo os lobos frontais dorsomedial bilaterais. Poucos autores demonstraram haver uma ligação entre o tronco e distúrbios do movimento a lesões do lobo parietal.
Tratamento da apraxia
O tratamento das apraxias de marcha é feito basicamente através de fisioterapia. Além disso, é realizado tratamento médico para controle da doença que causa/causou a apraxia. Caso o paciente apresente algum sinal de demência, é importante também o acompanhamento psiquiátrico e psicológico.
A avaliação do paciente e das alterações da marcha apráxica são de extrema importância para estabelecer um programa de reabilitação eficaz que vão evitar as quedas, melhorar a independência do paciente e otimizar suas atividades do dia-a-dia.
Como a fisioterapia ajuda no tratamento
A fisioterapia atua diretamente no treino de marcha, equilíbrio e propriocepção, com o objetivo de melhorar as disfunções da apraxia da marcha e oferecer maior segurança ao paciente na hora do caminhar. Inicialmente são realizados exercícios para melhora do equilíbrio estático e dinâmico junto com propriocepção, já que muitos pacientes apresentam déficit de equilíbrio enquanto andam.
O treino de equilíbrio também deve ser realizado sentado e entre as trocas de decúbito, para diminuir as reações de suporte inapropriado que os pacientes com apraxia da marcha costumam realizar.O treino de marcha é realizado para melhorar as fases da marcha, diminuir os movimentos cinéticos, melhorar o ritmo e corrigir todas as alterações.
Pistas com obstáculos e mudanças de direção aleatórias são utilizadas como treino para que o paciente vá aprendendo aos poucos o que fazer nesses tipos de situação. Treinos de habilidades sociais podem ser utilizadas para aplicar o novo aprendizado a situações problemáticas.
Cuidados a serem tomados
Treinos de equilíbrio e de marcha devem ser realizados com cuidado para evitar quedas. Como muitos pacientes que apresentam apraxia da marcha são idosos, é preciso ter paciência ao explicar sobre a terapia a ser realizada.
Respeitar o tempo do idoso para a realização dos exercícios e sempre verificar para que os exercícios não causem cansaço extremo.
Caso o paciente apresente algum sinal de demência é importante ter cuidado extra em relação a prevenção de quedas. Isso porque muitas vezes o paciente não tem um bom cognitivo para treinos de marcha ou equilíbrio mais elaborados.
Nesses casos as esteiras com suporte de peso corporal podem ser utilizadas como uma espécie de segurança, assim o treino de marcha pode ser realizado sem o perigo de quedas já que o paciente estará preso no suporte.
Conclusão
Os pacientes com apraxia de marcha possuem dificuldade em iniciar a marcha, apresentando também uma marcha mais lenta, com passos pequenos, arrastados e hesitantes.
A fisioterapia é o tratamento mais utilizado para melhora dos sintomas, pois através dos seus treinos de equilíbrio, marcha e propriocepção pode trazer benefícios positivos ao paciente.
Junto com uma equipe multidisciplinar é possível que o paciente com apraxia de marcha obtenha melhorias em seu tratamento, consiga melhorar sua independência, melhorar suas atividades do dia-a-dia e ter uma melhor qualidade de vida.
Os profissionais de saúde envolvidos na recuperação neuromotora desses pacientes necessitam de instrumentos que permitam detectar o mais precocemente possível os sintomas, para poderem dirigir os seus programas de reabilitação de um modo mais específico e consequentemente, mais eficiente.
Referências
KOPCZYNSKI, M.C.; WAKSMAN, R.D.; FARAH, O, G, D. Manuais de especialização – Fisioterapia em Neurologia. 1ªed. São Paulo: Manole, 2012. 585p.
HAUSER, S.; JOSEPHSON, S. Neurologia Clínica de Harisson. 3ªed. Porto Alegre: AMGH, 2015. 720p.
RESENDE, L, D. Apraxia da marcha em pacientes com demência: prevalência, características motoras e fatores associados. 2013. 102 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia. 2013.
KASPER, D.L. et al. Medicina interna de Harrison. 19ªed. São Paulo: McGraw Hill Brasil, 2016. 3048p.
YUDOFSKY, S.C.; HALES, R.E. Neuropsiquiatria e Neurociências na Prática Clínica. 4ªed. Porto Alegre: Artmed, 2006. 1120p.