Você sabe a diferença entre alongamento e flexibilidade? E quantas vezes já escutou a pergunta: “é para alongar antes ou depois do treino? ”, “alongamento causa lesão? ”, “é preciso alongar antes de correr? ”, “alongamento é bom ou ruim? ”.
Hoje tentaremos diminuir (ou aumentar) a polêmica em torno dessas questões. Vamos lá?
Afinal, o que é alongamento?
Exercícios de alongamento alongam as fibras musculares com objetivo de aumentar a flexibilidade músculo-tendínea, melhorar a amplitude de movimento ou a função musculoesquelética e prevenir lesões.
Existem vários tipos de técnicas de alongamento, incluindo ativa, passiva, estática, dinâmica, balística, isométrica e outras. Esses exercícios consistem na aplicação de uma força para superar a resistência do tecido conjuntivo sobre a articulação e aumentar a amplitude do movimento.
O alongamento pode afetar a performance muscular de diferentes maneiras, dependendo de como ele é executado. Nesse momento é importante lembrar que os exercícios de alongamento podem ser aplicados de forma aguda, através de uma única sessão, ou de forma crônica, através do treinamento.
Diversos estudos investigaram os efeitos agudos do alongamento, que têm sido amplamente estudados pela literatura na última década e evidenciaram que uma sessão de alongamento (efeito agudo) pode provocar efeitos deletérios no desempenho muscular.
As polêmicas envolvidas nesse assunto referem-se ao fato de que o alongamento aplicado apenas uma vez (efeito agudo) não consegue modificar estruturalmente a unidade músculo-tendínea permanentemente, ou seja, a unidade é alongada, mas retorna ao seu estado prévio após um tempo.
Outra situação refere-se ao fato de que, em muitos casos, os profissionais alongam estruturas que não precisam ser alongadas e deixam de alongar estruturas que se beneficiaram de um programa de treino de alongamento.
Além disso, o profissional poderia, de forma aguda, ultrapassar o limite de flexibilidade do paciente e lesionar a estrutura muscular.
É importante salientar, nessa parte, a importância de o profissional conhecer os limites e as necessidades biomecânicas do aluno.
Convenhamos que, tecnicamente, não existe necessidade de alongar estruturas que já são funcionalmente alongadas, mas aquelas que são rígidas e sem amplitude de movimento necessitem e se beneficiem das intervenções de um programa de alongamento.
Efeito crônico do alongamento
A eficácia dos efeitos crônicos do alongamento no aumento da flexibilidade muscular estão bem documentados na literatura.
Quando as intervenções com alongamentos se tornam repetidas, ou seja, crônicas, os exercícios de alongamento induzem um aumento na amplitude do movimento articular.
Dois mecanismos principais foram propostos para explicar o aumento da amplitude de movimento:
- Com os alongamentos realizados cronicamente, ocorre um aumento da tolerância ao alongamento (teoria sensorial) indicando que a unidade músculo-tendínea pode tolerar mais tensão passiva após a intervenção do exercício;
- Com os alongamentos realizados cronicamente, ocorre uma diminuição da resistência articular (diminuição do torque passivo articular em um determinado ângulo), que pode ser devido a uma mudança nas propriedades mecânicas da unidade músculo-tendínea, justificada pela diminuição da rigidez dos tecidos ou devido a uma mudança na geometria da unidade, através do aumento no comprimento do fascículo.
Tais mudanças podem ser consideradas como adaptações estruturais crônicas, ou seja, teoria mecânica.
Acredita-se que o alongamento crônico pode diminuir a rigidez muscular, induzir um aumento de Ca+ dentro da junção neuromuscular e promover aumento dos números de sarcômeros. Todos esses fatores podem contribuir para uma possível melhora no desempenho muscular após o treino de flexibilidade (efeito crônico).
Além disso, o tecido que forma o tendão é capaz de armazenar energia potencial durante as contrações excêntricas e liberar durante as contrações concêntricas subsequentes. Esse fenômeno é conhecido como ciclo estiramento-encurtamento.
Em uma revisão sistemática e meta-análise, observaram que as intervenções com exercícios de alongamento com duração de 3-8 semanas parecem não alterar as propriedades do músculo ou do tendão, embora aumente a extensibilidade e a tolerância a uma maior força de tração.
Além disso, as adaptações a protocolos de alongamento crônico menores que 8 semanas parecem ocorrer principalmente em nível sensorial e menos ao nível mecânico.
Dessa forma, parece importante que os exercícios de alongamentos devam fazer parte de um programa de treinamento e não utilizados de forma aleatória ou isolada.
Na prática, talvez não se justifique a aplicação do alongamento isolado nem antes nem após a realização do esporte, porque não terá o efeito proposto e ainda poderá causar lesões caso o grupamento muscular não necessite de alongar e/ou se for passado do limite fisiológico de estiramento naquele momento.
Por isso, talvez seja mais importante, nesse momento, um trabalho de aquecimento prévio à prática da atividade.
E quando a Flexibilidade “entra em jogo”?
A flexibilidade, que se refere à capacidade de um músculo ou grupamento muscular de se alongar, é um importante componente da aptidão física, tendo íntima relação com o desempenho muscular.
Clinicamente, a flexibilidade seria o objetivo de um programa de treinamento baseado em exercícios de alongamento.
Vale ressaltar que a flexibilidade está intimamente relacionada à mobilidade articular. Tanto, é importante que haja um sistema articular íntegro e funcional para que se consiga um bom grau de flexibilidade.
Por exemplo, a flexibilidade dos músculos isquiotibiais pode ser referida como o alcance do movimento em flexão de quadril ou extensão do joelho, porque os músculos cruzam as duas articulações.
A flexibilidade deve ser levada em consideração tanto no treinamento para performance quanto no treinamento dos programas de reabilitação. Na maioria das vezes, a manifestação da flexibilidade durante as habilidades esportivas é diferente do teste de flexibilidade de forma estática.
As habilidades esportivas são em grande parte dinâmicas, realizadas com a força dos músculos agonistas e relaxamento dos músculos antagonistas. Os testes de flexibilidade estáticos são realizados pelo alcance de uma posição e permanência por um breve período de tempo no movimento.
Em geral, os testes de flexibilidade estáticos não solicitam a força dos músculos agonistas. Dada essa situação, torna-se importante que o profissional tenha conhecimento técnico da atividade que o aluno faz para que possa implementar exercícios dinâmicos (simulação do gesto esportivo) em sua ficha de treinamento.
Conclusão
“É para alongar antes ou depois do treino?”
Para que o alongamento tenha menos risco de lesão, ele pode ser feito no meio ou no final do treino, porque o corpo encontra-se mais aquecido. Mas, neste momento, é importante que seja feito de forma suave (não a ponto de gerar dor no paciente) para que não se ultrapasse o limite fisiológico do aluno.
“Alongamento causa lesão?”
Depende! Somente quando feito de forma agressiva e aleatória (fora de um programa de treinamento) ou em estruturas que já são alongadas, aumenta-se o risco de lesionar.
“É preciso alongar antes de correr?”
Não! O mais importante é aquecer o corpo antes do esporte.
“Alongamento é bom ou ruim?”
É excelente! Quando feito de forma correta, nas estruturas que precisam de movimento livre e quando implementado em um programa de treinamento de flexibilidade.
Referências Bibliográficas
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